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Série: Era Uma Vez... Por Gabriel Justino de Souza.



Confiram o novo conto do aluno do 6º semestre/noturno e membro da equipe MC, Gabriel Justino de Souza que passa a integrar a série: Era Uma Vez..., com o retrato de uma triste realidade que infelizmente não é incomum.

 
Fonte: DCI - Diário Comércio  Indústria & Serviços
 

Saudades

Sinto tanto sua falta meu amigo, faz quatro anos, você era como um irmão para mim, e a vida e suas peças tiraram o seu sorriso e com o tempo, também fez com que perdêssemos nossa inocência e descobrimos como o mundo em que vivemos, nos distância por nossas “diferenças”.

Meu nome é Felipe, e ainda posso me lembrar dos dias de minha infância e como era bom brincar com meu amigo Daniel, soltávamos pipa, jogávamos videogame, participávamos do campeonato de futebol e tantas outras coisas. Poderia enumerar diversas ocasiões e lembranças que me fazem sentir sua falta, mas o que mais sinto saudade é a nossa inocência, conforme o tempo passava percebi como as pessoas olhavam para nós, fico imaginando se era por causa do nosso jeito de falar, de vestir, do lugar onde morávamos, não sei, sinceramente, não tenho a menor ideia.

Quando nos tornamos adolescentes e eu arrumei o meu primeiro emprego, você já estava mergulhado nos estudos e fazendo o seu curso técnico em bioquímica, e estava muito feliz por sua escolha, pois em breve entraria na graduação, mas tudo começou a mudar depois daquele dia...

Era uma quarta-feira gelada de manhã e eu caminhava para trabalhar junto com minha mãe, caminhando até o ponto de ônibus, quando a Guarda passou por nós de moto, assim que viramos a esquina, vimos que você estava conversando com uns amigos, e a Guarda desceu da moto já com a arma em punho, apontando para vocês (acham que só porque estamos na periferia as leis não são cumpridas, só que acabam ultrapassadas por aqueles que deveriam fazê-las serem respeitadas), quase me pararam também, mas creio que não me pararam porque estava junto com minha mãe, foi ali néh meu amigo? Que tudo mudou para você? Que a dura realidade se abateu para você?

Você me contou pouco tempo depois, que eles só não o levaram para a delegacia junto com os seus amigos por um milagre de Deus, e que aquela não foi a primeira vez que lhe pararam e também não foi a última. Percebi que daquele dia em diante você perdeu uma coisa, o brilho dos seus olhos, passou a me contar que não acreditava em utopias, mas que iria continuar seus estudos, e se formar para ir a um lugar melhor e quem sabe, as coisas poderiam mudar.

Tudo passa por nossas vidas, assim como as estações passam no decorrer do ano, nossas memórias estão guardadas, assim como as risadas de um dia quente de verão, logo após isso vem o outono, que faz com que as folhas sequem e caiam, fazendo com que as circunstâncias mudem. E como mudaram e como observei você mudar ao longo dos últimos meses, ficava cada vez mais distante dos seus sonhos, talvez a Guarda os tenha roubado, porque foi retirado seu sorriso e suas ambições. Você acreditava que poderia mudar o mundo, mas depois daquela tarde de outubro, tudo mudou...

Desculpem-me, às vezes as minhas lágrimas molham o papel, pois ele era o meu irmão de outra mãe e não consigo compreender como seus sonhos foram interrompidos e achados em uma área de mata fechada, com as mãos amarradas e um tiro no peito. O que sabemos é que a Guarda que havia levado você, mas sem testemunhas fica difícil de provar alguma coisa.

Você merecia tudo o que o mundo poderia te oferecer de melhor, mas infelizmente não temos como reparar esse dano que foi causado em sua vida e os outros danos também. Fico a pensar, e tenho que confessar que sinto ciúmes das noites, que sua mãe e eu não passamos com você, as vezes penso que você irá voltar, mas, percebo que você não irá mais. 

O que mais me dói é descobrir agora o porquê as pessoas olhavam torto para nós e o porquê a Guarda sempre te parava e não a mim, na verdade não era para mim que olhavam torto, era para você. Nunca percebi o quanto o racismo velado te fazia mal até me deparar com a sua morte, uma morte que se deu por causa da sua cor e da periferia que você morava. 

Se um dia te encontrar de novo, espero que você me diga que tudo que encontrou não foi sofrimento e miséria e sim alegria e igualdade. Deixo registrado aqui um pouco da sua história porque, quero que saibam que você foi o melhor irmão que eu poderia ter, e que sua morte não ficará impune. 

São tantos talvez, tantas vírgulas e sempre me questiono o que poderia fazer para evitar que você morresse do jeito que morreu, talvez isso, talvez aquilo, talvez deveria ter te incentivado mais e te ajudar a ver que os sonhos são para serem vividos e não deixados de lado e lançados em um mar de esquecimento. 

O que mais impressiona nisto é o símbolo da justiça com os olhos vendados e a balança equilibrada, para demonstrar que ela é imparcial independentemente de tudo, espero que um dia sua história venha realmente a tona e aqueles que te assassinaram possam ser levados à ela, e que por fim sua mãe possa encostar a cabeça no travesseiro e saber que aqueles que fizeram mal ao seu menininho, estão pagando pelo mal que fizeram.


 

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